Reportagem

Glória Maria fez jus ao nome!

Jornalista que comandou a primeira matéria ao vivo e a cores na Rede Globo, nos idos dos anos 70, Glória Maria morre vítima de câncer, mas entra para a história da imprensa brasileira como a profissional pioneira na forma de trabalhar e a que mais países conheceu durante sua trajetória laureada de glória, como o próprio nome dela induz

De braços abertos, Glória Maria recebeu o jornalismo como a um sacerdócio (Instagram)

A frase é repetitiva, mas o jornalismo brasileiro está de luto, sim, e os profissionais de imprensa se sentem tomados por um espírito de tristeza e melancolia com a morte da renomada jornalista Glória Maria, neste fatídico dia dois de fevereiro de 2023. Ela perdeu a luta para o câncer, doença contra a qual lutava desde 2019, quando descobriu um tumor no pulmão.

Por culpa da doença, a repórter estava afastada havia mais de três meses do Globo Repórter, da Rede Globo, programa onde trabalhou durante mais de 12 anos. Segundo a jornalista Sandra Annenberg, ela tinha esperança de curar-se para retornar ao que sabia fazer com maestria: jornalismo ético, sério, sem medo e sem barreiras, livre; jornalismo na verdadeira acepção do termo.

Glória Maria não retornará à televisão. Morreu na manhã desta quinta-feira, (02/02/2023) –, dia consagrado à Nossa Senhora dos Navegantes –, no Hospital Copa Star, no Rio de Janeiro – a cidade onde ela nasceu –, vítima das complicações do câncer, aos 73 anos de idade. A jornalista deixa duas filhas adolescentes, Maria e Laura, de 15 e 14 anos, respectivamente, adotadas por ela na Bahia, durante uma viagem que fez àquele Estado, em 2009.

Profissional de excelência

Jornalista Glória Maria (foto: Instagram)

A jornalista será cremada. Se fosse para um túmulo, far-se-ia justiça à carreira dela se na sua lápide fosse inserida a inscrição: “Aqui jaz a Glória, aquela que fez jus ao nome!”. Afinal, ela entra pra história como uma profissional gloriosa, sendo reconhecida nacional e internacionalmente pelo talento nato e, consequentemente, a propriedade com que desenvolvia suas reportagens impactantes.

Glória Maria foi a primeira jornalista brasileira a fazer coberturas de conflitos armados em países estrangeiros. Registrou a Guerra das Malvinas e a invasão da Embaixada do Japão no Peru, por um grupo terrorista. Profissional eclética, cobriu a posse de Jimmy Carter na presidência dos EUA (1977), os Jogos Olímpicos de Los Angeles (1984) e de Atlanta (1996), além da Copa do Mundo de 1998.

É autora de reportagens marcantes que realizou no Brasil e em mais 163 países. Esteve em diversas regiões, algumas bastante exóticas, como o deserto do Saara e a Palestina. Fez matérias na China, Suécia, Lapônia, Marrocos, sul da Ásia, Dubai – nos Emirados Árabes –, Irã, Índia, Nepal. Apesar de visitar mais de 150 países, Glória destacou, em entrevista ao Altas Horas, em 2019, considerar o Brasil um dos lugares mais inesquecíveis que ela conheceu, seguido pela Índia e o Irã.

Em seus mais de 50 anos de carreira, ela entrevistou celebridades como o escritor Carlos Drummond de Andrade, o campeão mundial de atletismo Usain Bolt – o atleta conversou com ela na Jamaica –; os cantores Madonna, Freddie Mercury, Mick Jagger, Elton John, e Michael Jackson, o saudoso rei do pop. Também foram entrevistados pela repórter os atores norte-americanos Harrison Ford, Leonardo Di Caprio, a atriz Nicole Kidman, dentre outras diversas personalidades do mundo artístico e político.

Uma trajetória Gloriosa

Jornalista Glória Maria (foto: Instagram)

Glória Maria deixa um legado de carreira memorável, de repórter que transpunha quaisquer barreiras na hora de realizar o trabalho que tanto amava e que abraçava como a uma missão sacerdotal. Prova dessa profissional guerreira está no fato de ela ter sido, quando apresentadora do “Fantástico”, a primeira jornalista brasileira a participar de vôo que simulava gravidade zero, a bordo de um avião da Nasa.

A jornalista começou sua carreira na Rede Globo, no início dos anos 70. Apresentou os programas jornalísticos RJTV, Jornal Hoje, e “Fantástico”. Em 2010, ela iniciou uma trajetória de reportagens especiais para o Globo Repórter, onde destacou-se pelas aventuras em que se envolvia, no Brasil e no exterior.

Além das reportagens especiais que Glória Maria fazia no Globo Repórter, ela foi apresentadora do programa, ao lado de Sérgio Chapelin, e posteriormente, ao lado de Sandra Annenberg, que além de colega de trabalho, tornou-se sua grande amiga.

Em entrevista à revista “Quem”, em 2003, a jornalista revelou alguns de seus relacionamentos amorosos. Disse ter namorado por oito anos o engenheiro austríaco Hans Bernhard, o francês Eric Auguin (de 1985 a 1991), o empresário português Frederico Fragoso e o sueco Martin Stenmarck.

À ocasião, ela afirmou ainda que se casara em segredo, em uma cerimônia civil testemunhada apenas por poucos amigos, mas não revelou quem havia sido o noivo. No início dos anos 70, ela manteve um relacionamento amoroso com José Roberto Marinho, filho de Roberto Marinho, fundador da TV Globo.

A coragem como herança

Jornalista Glória Maria (foto: Instagram)

Glória Maria nasceu no bairro de Vila Isabel, na Zona Norte do Rio de Janeiro. Graduada em jornalismo pela PUC/RJ, ela dominava, além do idioma português, inglês, francês e latim. Teve uma trajetória de mulher guerreira, destemida e apaixonada pela profissão, a qual abraçou como um sacerdócio.

Diversas autoridades do universo político, a exemplo do presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, lamentaram a morte da jornalista. Outros que também demonstraram tristeza com a notícia, a presidente do STF – Supremo Tribunal Federal, ministra Rosa Weber, além do presidente do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco, ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, dentre outros.

Para a imprensa, o dia foi muito difícil, triste, melancólico, tendo-se a impressão de que o jornalismo ficou mais pobre, mais enfraquecido. Este blog, assim como a sua editora, Edna Santos, também lamentam a morte de Glória Maria. Afinal, ela foi a repórter que enfrentou e superou o preconceito racial e social para firmar-se como uma profissional à frente de seu tempo.

Filha de um alfaiate e de uma dona de casa, e tendo estudado em escolas públicas sempre, não titubeou em denunciar quem a discriminou pela sua cor negra. Graças ao seu inegável talento, alcançou o ápice da fama. Porém, continuou humilde, sem deixar-se embebedar pelos holofotes. Siga na luz, Glória Maria, e descanse em paz; você merece. As suas filhas estarão bem amparadas, com certeza.

 

 

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